sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Bruxaria!

Sempre reencontro as pedras no caminho. É curioso pensar que em pedras com as quais já topei exista até algo de íntimo.
Noutro dia, pensei nisso: andando pelas ruas em Manaus, dei uma clássica topada, dessas que de tão dramáticas provocam risos e inquietações em quem está próximo. Nutro a mania de, depois desses episódios que enchem de vergonha, olhar severamente para o problema. E o problema em questão, as pedras, também merecem severas reprimendas, de modo que as olho como que para ralhar.
Numa dessas olhadas pretensamente intimidadoras, encontrei uma velha amiga, uma pedra que já quase me derrubara em outras latitudes. A danada tinha viajado só para me fazer de bobo a léguas de distância. O acaso...
Entre os Azande, povo alvo das investigações do antropólogo inglês Evans-Pritchard, essas coisas que parecem só encontrar explicação no mais absoluto acaso, são entendidas como sendo fruto de bruxaria ou feitiçaria. Lembro de alguns dos exemplos usados pelos Azande para comprovar tal justificação do acaso: um dos exemplos dizia respeito à reflexão desse povo sobre as circuntâncias nas quais uma velha e abandonada casa havia caído sobre um indivíduo que a usava regularmente para tirar uma soneca depois do almoço.
Ora, tentava demonstrar Evans-Pritchard portador de toda a racionalidade ocidental: se a casa era reconhecidamente velha e abandonada e o camarada a usava regularmente, o caso estaria explicado. Os nativos, entretanto, replicavam: tudo bem, era velha e uma hora iria mesmo ruir, mas por que ser o desabamento justo no período (poucos minutos durante o dia) em que o sujeito dormia por ali? Bruxaria!
Também acredito em bruxaria, é aquele quê restante à realidade que a impede de ser racional. Acreditar em bruxaria, sob a visão Azande, é ser o máximo racional. Ora, a realidade que carece de sistematizações precisa por vezes ser enquadrada: ciência, religiosidade ou bruxaria.
Penso aqui no seguinte caso: um jogador (desses craques que só os campinhos de futebol brasileiros conseguem produzir) nunca erra um chute da marca do pênalti, nem sob chuva e nem debaixo do sol mais abrasador. No mais importante jogo de sua carreira, contudo, chuta a pelota na trave. Bruxaria!
Aliás, a trave funciona quase como uma fronteira: está ali para marcar o limite entre a incompetência e a bruxaria. Se a bola vai pra fora, pode-se concluir o mau trato à redonda. Se vai na trave, não se deve culpar o batedor: o cara fez tudo certo e , putz, a bola (ela ganha, nesses casos, até vontade própria) “quis” ir na trave.

Um comentário:

Anônimo disse...

MISTÉRIO....