terça-feira, 6 de março de 2007

existência enquanto sonho de outrem

"Numa alvorada sem pássaros, o mago viu cingir-se contra os muros o incêndio concêntrico. Por um instante, pensou refugiar-se nas águas, mas depois compreendeu que a morte vinha coroar sua velhice e absolvê-lo de seus trabalhos. Caminhou contra as línguas de fogo. Estas não morderam sua carne, estas o acariciaram e inundaram sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro o estava sonhando." (Borges, Jorge Luis. As ruínas circulares in Ficções)

É , eu sei. A realidade é dura. O que se vai fazer? Ainda acredito que as relativizações podem ser importantes...

segunda-feira, 5 de março de 2007

grandes jogos e bons livros

Sou um fã de futebol. Sou desses inebriados pela emoção. Tenho um time: isso é fato e não abro mão! A despeito disso, sempre que vejo um jogo, me pego a torcer por um dos lados. Os elementos que me fazem torcer pela vitória de um time sobre o outro são variáveis, e a eles não quero me dedicar aqui. Posso dizer apenas que são variações de rivalidades desde o nível regional até o global: nunca torço pelo Flamengo nem pelo Real Madrid, por exemplo.
A emoção com a qual lido quando assisto futebol me impede de ver o jogo com algum grau de racionalidade. Às vezes, vejo um jogo com alguém e depois do jogo esse alguém me pergunta: “o fulano jogou muito, não?” E eu me ponho a pensar e a tentar lembrar das ações do referido jogador durante a partida. E , em geral, não registro a atuação de um jogador se ele não fez, ao longo da partida, uma espetacular jogada ou um gol. Essa sensação de alheamento aumenta ainda mais com a minha presença no estádio. São tantos os elementos que me chamam a atenção num estádio que o jogo termina se configurando como uma série de fotografias que vou registrando e adequando a uma linha temporal: faço um filme do jogo. Imagino ter mais entendimento sobre o futebol do que a média dos que gostam do jogo. Sei das diferenças básicas de um 4-3-3 para um 3-5-2. A questão para a qual sempre reservei pouca atenção é a dinâmica dos jogadores dentro desses esquemas. E se há alguma coisa importante no futebol é essa dinâmica e os jogadores que a movem. Há uma grande diferença entre se dizer que dois times jogam com dois atacantes, se eu souber que em um desses times os atacantes são o Romário (até uns cinco anos atrás) e o Ademir de Menezes (artilheiro do Expresso da Vitória vascaíno da década de 40 e da Copa de 50).
Talvez essa dinâmica futebolística surja melhor aos olhos mortais em jogos que começam com um grande equilíbrio e passem a uma goleada. É nesses jogos que os comentaristas futebolísticos surgem com aquelas frases “o sicrano entrou e mudou o jogo”. Há de se perguntar: mudou como? Certamente, mudou porque além de entrar abençoado por todos os santos serviu pra alterar a engrenagem da equipe em que atua.
Diante disso, o grande time é aquele que atua sob diferentes toadas, sempre diante das diferenças dos adversários, ou seja, um time que consegue se readaptar a diferentes jogos e necessidades. Um time simplesmente bom pode vencer sempre que começa ganhando, mas pode ser goleado se começar levando um gol. O grande time é capaz de se transformar diante das variadas situações de jogo.
Mas acho mesmo é que são os grandes jogos, não necessariamente de grandes times, é que disparam nos torcedores o gatilho da emoção, e que (como diria Lévi-Strauss) fazem pensar. São nos grandes jogos de futebol que é possível enxergar várias possibilidades e alternativas de resultado: das espetaculares viradas, aos maravilhosos 0x0 repletos de chances de gol. Pensemos aqui no famoso lance, na Copa de 70, em que Pelé bota ao chão o goleiro uruguaio e chuta a bola a poucos milímetros da baliza direita. Às vezes, um gol perdido marca mais (pro bem ou pro mal) a história sentimental de um torcedor (ou de uma torcida) do que um desses simples tentos que se vê nos programas esportivos.
São também os grandes, e ousados, livros que fazem pensar. Fazem com que os leitores atentem para as diferentes estratégias textuais dos escritores. E é por isso que agora escrevo. Li um grande livro e indico: trata-se de “Os detetives selvagens” do chileno Roberto Bolaño. A apreensão que eu tive do texto foi, além da ousada técnica de texto usada pelo autor, a de uma bela aventura na tentativa de discernir a complicada e multifacetada identidade latino-americana. Certamente, entretanto, assim como são vastas as possibilidades (objetivas e subjetivas) de se entender um grande jogo de futebol, são muitas as dimensões capazes de marcar o leitor desse livro.