quarta-feira, 8 de outubro de 2008

sobre derrotas (o real da perda)

Li o mais recente livro do Professor de Literatura da USP José Miguel Wisnik. "Veneno Remédio: o futebol e o Brasil" é um livro inovador no que se refere à abordagem do futebol brasileiro: para além das reflexões a respeito das relações e conflitos sociais que giram em torno do futebol, o livro pretende abordar o "jogo de bola" por ele mesmo, obtendo daí conclusões sobre a cultura brasileira. Nunca li nenhum livro com proposta semelhante. Por outro lado, já tive contato com inúmeros trabalhos sobre os grupos de torcedores dos clubes de futebol, a fabricação de suas identidades, a respeito dos clubes ou que abordem a justiça desportivo-futebolística brasileira.
Achei a idéia do livro muito boa. Li de uma vez só. Mas isso me pareceu mais sintoma de uma certa precocidade do livro do que de sua qualidade textual. Não quero dizer que o autor tenha pecado por falhas próprias. Talvez o tema e a forma do texto, ensaio, o tenham levado a isso. Mas o livro é muito acelerado. Numa metáfora futebolística pueril, é como se a bola no jogo nunca se encontrasse com aquele autêntico camisa 10 e estivesse condenada a correr da mão do goleiro ao pé do último atacante, passando por nervosos carregadores de bola. Falta cadência ao texto!
Mas volto-me à essência do livro: suas elucubrações sobre o significado do jogo. Wisnik aponta: "O futebol pode ser visto como um sistema simbólico que traciona o imaginário colocando-o aparentemente à beira de um precipício: o real da perda. Está em questão, assim, a estrutura diferencial e dialética do sujeito, amplificada para as massas. Em termos simples: é preciso que o torcedor aceite a condição de que estamos sujeitos a ganhar (assumindo temporariamente uma onipotência imaginária) e a perder (recebendo uma cota de frustração e de real), ambas relativas e devolvidas ao reinício do jogo." (Wisnik, 2008: p. 46)
Relevante complementar a isso uma observação pessoal de que tornam-se potencialmente mais violentas as torcidas cujos times vencem seus jogos. Em geral, a torcida que perde (em minha visão), salvo em casos de humilhantes goleadas ou catástrofes como rebaixamentos, sai do estádio com menos disposição à violência porque mais tocada pelo que Wisnik chama de "real da perda".
No último sábado, fui ao campo. Já no trajeto que me levava de casa a São Cristóvão, senti a possibilidade da derrota. Pelo caminho, vi muitos vascaínos entusiasmados e confiantes na vitória. Sempre acho que grande confiança não é bom. A turma do teatro não tem aquele superstição de desejar "merda" pelo sucesso? Isso é porque na Grécia os atores viram que não podiam deixar claro que empreendiam uma tentativa de sucesso. Se os deuses soubessem disso, iam querer "brincar" com o espetáculo. Por isso, o "merda". Penso que os vascaínos devíamos inventar coisa assim. Podíamos ficar ali sentados na arquibancada de São Januário como quem lê interessadamente um livro ou pega sol.
A verdade é que o estádio de São Januário encheu. E todas as almas ali, inclusive a minha, resolveram se animar, cantar, gesticular. Prato cheio para os deuses gregos: tragédia na certa. Lá pelos quinze do segundo, o Vasco perdia por quatro a zero. Presente ao estádio, nunca tinha visto tamanho despautério. O "real da perda" dava "boa noite" aos vinte e cinco mil vascaínos.
A partir de agora, torço calado e disfarçado. Meu pai já havia tentado ensinar tal método aos filhos: o Vasco ganhava e ele afirmava solene "O Vasco vai perder!". Eu e meu irmão, indignados, o expulsávamos do ambiente onde estivéssemos. Não sabíamos que o sábio já previa o perigo.
Torçamos calados e disfarçados. Merda, Vasco!

Um comentário:

Anônimo disse...

isso aí. pensamento positivo. que o vasco caia para a série B, C, D e depois seja fechado para cair no esquecimento!