sexta-feira, 24 de outubro de 2008

As cidades e seus ares (o caso de Manaus)

Interesso-me muito por tentar decifrar nas cidades o que alguns chamam de "espírito de época" (acho que quem usou esse termo, primeiramente, foi Hegel). Uma das cidades das quais me sinto mais confortável a tratar é Manaus, a cidade onde nasci e vivi até os 14 anos. Penso que tenha percebido inicialmente o ideário que toma o ambiente sócio-cultural manauara justamente porque ele se opôs à essência de minha personalidade. Desde a meninice (posso dizer que existo enquanto observador da realidade desde o início da década de 90), ouço dos mais velhos que me cercavam louvações ao grande crescimento econômico que Manaus já experimentava. Nesses casos, eram sempre citadas as cifras crescentes do PIB de Manaus e de sua população como signos inequívocos da importância conquistada pela cidade no cenário nacional. Quanto mais velho fui ficando, mais distanciamento tomei dessa perspectiva: primeiro, por pura birra, já que eu sempre desconfio, e assim sigo fazendo, dos muito otimistas; depois, por começar a tomar pé da realidade manauara.

Na verdade, o propalado crescimento econômico da cidade nada tem de original e é tão frágil quanto o solo amazônico. Como se sabe, esse crescimento baseia-se na política de incentivos fiscais que deu início à Zona Franca de Manaus, hoje Pólo Industrial de Manaus. A imensa parte desse pólo é constituída de filiais de indústrias estrangeiras com tecnologia própria e que, a qualquer mudança dos ventos políticos e econômicos, podem partir da cidade mais rapidamente que as sementes de seringueira. Essas deixaram o Amazonas por navio, levadas por representantes ingleses, diretamente às colônias da Inglaterra.

Apesar de o Amazonas ter vivido durante quatro décadas ( da década de 20 até a de 60) sob a dureza de uma fantástica estagnação econômica, pelo fim de um ciclo extrativista, e viver com a sombra da possibilidade de experiência semelhante, não se alterou a essência do discurso dos meus conterrâneos de elogio ao crescimento e de louvação ao seu poderio econômico.

Os manauaras vibram a cada novo prédio de arquitetura futurista, a cada novo viaduto em sua malha urbana. O questionamento a esse processo de crescimento que fez de Manaus uma cidade de 1,7 milhão de habitantes não faz parte do arsenal discursivo da cidade. Quem questiona, destoa! Lembro aqui de Marshall Berman, em seu grande "Tudo que é sólido desmancha no ar", no qual ele recorda sua infância no Brooklin, bairro de Nova Iorque. O autor descreve o bairro de sua infância como um lugar cheio de gente nas calçadas e nas ruas, crianças a brincar nas redondezas de suas casas, até que urbanistas resolveram cortar o bairro com uma imensa avenida, apresentada à cidade inteira como símbolo maior de um novo tempo, símbolo da modernidade. Berman relata que contra esse adversário, a modernidade, era impossível lutar. Apesar de ofendidos pela construção que lhes tirava a originalidade do bairro, seus moradores não puderam se opor à essência daquele movimento. No extremo, temiam se opor ao sonho da modernidade e representar o atraso.

Ora, no caso de Manaus, não se trata de se opor à transformação da cidade, ao dinheiro. Não é o que faço aqui, mas de propor que os manauaras olhem para as bases de seu crescimento econômico e verifiquem sua fragilidade. Escrevo essas linhas muito influenciado por um texto que acabo de ler do amazonense Antônio José Botelho, meu tio, que tem como título "Raciocinando por fora do pensamento único: evidências subjetivas de uma esquizofrenia histórica"*. O texto trata de comparar os processos de industrialização coreano e manauara, um que serviu como meio ao aprendizado tecnológico e outro que tem a política de atração de investimentos como fim em si.

Será que daqui a cinqüenta anos, os netos dos manauaras vão ouvir apenas relatos e louvações a uma época de fausto passada? Pois, eu ouvi tais histórias de meus avós em relação à borracha. Será que Manaus e o Amazonas serão incapazes de fortalecer o conhecimento e a tecnologia locais? Ou será que esse espírito amazonense de eterna louvação vai ganhar uma vírgula antes?

Abaixo, a verdadeira cor do Rio Negro:





* o texto, além de outros trabalhos, pode ser encontrado no site www.argo.com.br/antoniojosebotelho. Ali na barra lateral, vou adicionar um link permanente.

Um comentário:

Anônimo disse...

isso não é o rio negro. é uma gelatina de morango.